domingo, 9 de maio de 2010

UNIVERSIDADE VIRTUAL

E o que nós ganhamos?






Por Felipe Campos
Dirigente estudantil da LER-QI e estudante de Ciências Sociais da PUC-SP

Debate "Mercantilização do Ensino e Educação à Distância" no lançamento da Revista PUCViva nº 35. Dia 06/05, às 19h no Auditório 333 da PUC-SP, Prédio Novo.

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Mais de 100 mil nas ruas em diversas cidades da Alemanha em novembro de 2009. No meio das manifestações, uma faixa na cidade de Bielefeld se destacava, ela dizia “500.000.000. 000 euros... E o que nós ganhamos?” [1]. Essa pergunta se estendia nas ocupações e nas greves estudantis, que impulsionaram a luta contra a comercialização da educação superior e a instrumentalização da produção de conhecimento promovida pelo Plano Bolonha na Europa. Esse plano votado na cidade de Bolonha em 1999 completa seu 10º aniversário e os “presentes” continuam sendo ataques a educação superior, não só na Europa, mas como definir um novo modelo internacional de formação de mão de obra semi-qualificada para o mercado de trabalho.

Esse novo modelo aprovado por grandes instituições capitalistas como o Banco Mundial orienta os países periféricos a pulverizar a educação superior e fragmenta-la em cursos de 3 anos com fácil acesso que faz o estudante navegar pelas áreas de formação profissional, porém sem especialização, sendo que essa só fica acessível para aqueles que possuem condições econômicas para autofinanciar um curso de pós-graduação, mestrado ou doutorado. Essa proposta que dentro do campo cientifico se expressa ideologicamente por um falso discurso de interdisciplinarida de, e muitas vezes os intelectuais burgueses tentam vender a idéia como progressista, na verdade nada mais é do que uma medida para manter a formação de conhecimento voltada aos orçamentos dos monopólios e das grandes empresas. Preparando a extração de mais valia absoluta e relativa dos jovens que saem da Universidade e vão para o mercado de trabalho.

Fica assim colocada a estratégia do capital para a educação superior internacionalmente. Manter poucos cursos de excelência para os setores mais abastados da sociedade, e muito cursos sucateados e privados para o restante da população pobre e os trabalhadores. Instrumentalizando a produção de conhecimento e favorecendo o enriquecimento dos empresários e donos de capital, apoiado pelos governos e as burocracias acadêmicas. Vale lembrar que assim como acontece na Alemanha atualmente, outros países do continente europeu já passaram e passam por essas reformas. A Itália e a Espanha são exemplos concretos onde, inclusive, a mobilização de jovens estudantes se aliando com os trabalhadores conseguiram impor recuos importantes dos governos para a consolidação do Plano.

A transposição dessa estratégia do imperialismo em relação as contras-reformas dos centros de excelência cada vez mais se aproximam e criam laços orgânicos com os governos latinoamericanos. E o Brasil é um claro exemplo disso. Ainda que esteja numa fase inicial, já expressa contradições, colocando a necessidade de aprofundar uma importante reflexão sobre a Universidade no país, tomando como referencial de análise o grande crescimento do EAD (ensino a distancia) no Ensino Superior.

O reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Naomar de Almeida Filho, é um dos principais intelectuais brasileiros que hoje comanda o projeto da Universidade Nova, plano semelhante ao Bolonha para as Universidades Brasileiras. Porém, que sofre contradições diferentes devido ao caráter extremamente atrasado, elitista e racista da universidade brasileira, onde aproximadamente 5 milhões [2], um dos menores indices da América Latina, num país que possue mais de 180 milhões de pessoas, tem acesso a Universidade, sendo que 74,9% [3] estão em instituições particulares.

Naomar em seu artigo “O Novo ’College’”datado de 06/12/2009 no jornal Folha de São Paulo utiliza o falso discurso do BI (bacharel interdisiciplinar) para implementar uma política de expansão de vagas nas Universidades Federais. Cujo caráter se assemelha bastante com o proposto de Bolonha, vejamos:

“Percebi grande interesse no modelo UFBA Universidade Nova e no regime curricular do bacharelado interdisciplinar (BI), sobretudo por suas perspectivas de compatibilidade com o modelo do "college". Porém, muito fascinava nossos parceiros o que para eles parecia ser um caso de pioneirismo e sucesso (mitos heroicos parecem atrair os gestores acadêmicos das poderosas universidades americanas). Contei como a experiência do BI tem extrapolado nossas expectativas mais positivas. Por um lado, permitiu à UFBA implantar um projeto Reuni ambicioso e inovador, com massiva ampliação da graduação, de 4.200 vagas em 2007 para 7.916 em 2009, principalmente cursos noturnos.”

Naomar mostra como os ensinamentos do imperialismo europeu facilitaram na implementação do REUNI nas federais e se vangloria dessa “massiva ampliação”, que passa longe de resolver o problema de acesso a universidade no Brasil, com milhões e milhões de jovens trabalhadores fora de cursos superiores. Sem contar que a ampliação dessas vagas se dão de forma totalmente sucateada com falta de professores, infra-estrutura precária e sem nem auxilio de permanência estudantil. Naomar esconde também as vagas ociosas oriundas da crise do sistema universitário onde das 14 mil vagas criadas nas federais, quase 7 mil não estão ocupadas pela falta de planejamento do governo e da burocracia acadêmica [4].

Alguns poderiam dizer, mas para um país atrasado como o Brasil é uma substancial melhora, pelo menos houve uma expansão de vagas? Entretanto, essa é uma visão parcial que não abrange o total da política do Governo. Já que a verba de 2 bilhões de reais destinada ao REUNI para a ampliação das vagas até 2010/2011 já se esgotou e foi menos que a metade que o governo concedeu através do BNDES para empresários como Eiki Batista, ou os bilhões fornecidos para a burguesia nacional manter seus padrões de lucro em meio a crise econômica. Ao mesmo tempo em que sustenta e promove a privatização do Ensino Superior, atualmente 90% das universidades no Brasil são particulares. Esse crescimento da educação privada se deu, como não seria diferente no meio capitalista, de forma totalmente anárquica e logo expressou a tendência do Monopólio, os “donos da educação” através dos lucros obtidos nesse grande mercado optam pela financeirização de suas receitas, abrindo capital na bolsa de valores (como os grupos Anhanguera e Estácio de Sá) e eliminando a concorrência, aumentando o preço das mensalidades e subindo naturalmente a taxa de inadimplência entre os estudantes.

O PROUNI que atuou nas universidades particulares da mesma maneira que o REUNI nas federais apresentou ainda uma contradição mais profunda, já que o governo investiu o dinheiro dos cofres públicos nas mãos desses empresários da educação superior, além de promover a isenção fiscal desses estabelecimentos, deixando assim de abrir vagas e destinar verbas para a educação pública. O mais gritante ainda é se analisarmos o estoque de vagas ociosas que intencionalmente são criadas nos centros particulares como maneira de sempre ter oferta para dinamizar seu orçamento no mercado, já que dentro da realidade sócio-econômica no país é praticamente impossível um jovem trabalhador conseguir pagar uma mensalidade que muitas vezes supera o seu salário. Ao passo que é vantajoso para a instituição privada sempre poder oferecer cursos durante o ano inteiro. Entre 2007 e 2008 mais de 1,5 milhão de vagas ficaram ociosas, sendo que a maior parte, 98%, em centros particulares [5].

Esse modelo que ruma para um beco sem sáida na relação dialética da necessidade do desenvolvimento econômico com a formação de mão de obra semi-qualificada num país como o Brasil, combinado com o anseio democrático da população de entrar na universidade, mostra a falência do modelo de “desenvolvimento solidário” definida pelo próprio Naomar no final do seu artigo e que ainda termina de forma indutiva e enganosa colocando o país da época Lula como vanguarda internacional desse processo:

Poderá a "onda brasileira" de desenvolvimento solidário, neste momento tão visível e valorizada no cenário político e econômico mundial, contribuir para a internacionalização da educação superior com modelos criativos de inclusão social com qualidade acadêmica?

Os sinais da falência desse projeto da burguesia e do Governo Lula se expressam em mais uma tentativa desses agentes em resolver a equação referente ao desenvolvimento econômico com a formação profissional consumindo o minimo dos recursos estatais. O Ensino a Distancia que a cada ano vem crescendo absurdamente nas universidades públicas e privadas é vendido para a população sob uma falsa bandeira de democratização do ensino superior e como a maneira de reverter a evasão que existe nos centros particulares, e de certa maneira preencher financeiramente a quantidade de vagas ociosas criadas.

Fredric Litto, presidente da ABED (Associação Brasileira de Ensino a Distancia) comprova esse crescimento na divulgação do último censo EAD.br:

“Devo lembrar que a apuração desses dados foi concluída no final de 2008, auge da crise da economia internacional. Apesar disso, 23% dos dirigentes dessas instituições afirmaram ter a intenção de investir ainda mais na modalidade em 2009. O que nos faz vislumbrar a continuidade do crescimento expressivo já verificado no setor. Vejam só: somente em 2008 foram lançados 269 novos cursos EAD no país, número 90% maior do que os lançamentos verificados em 2007″

Atualmente existem 2.648.031 alunos matriculados em EAD no país nos 1.752 cursos oferecidos. É importante ressaltar que tal inciativa como o próprio presidente da ABED afirmou foi justamente potencializada no estopim da crise econômica, principalmente nas Universidades particulares para suprir a evasão de alunos e a inadimplência por conta das altas mensalidades. Esse crescimento é claro de nenhuma maneira expressa uma tendência a democratização do ensino superior brasileiro, já que mantém a lógica de tentar conformar uma educação mista, privada e pública, mantendo o controle da Universidade no brasil a serviço dos interesses das empresas e da concentração de capital. Além do fato dessa polêmica medida adotada pelo governo, manter uma criação de vagas precárias, reduzindo o salários dos professores, não precisando investir em infra-estrutura nas universidades públicas e instrumentalizando a produção de conhecimento.

No semestre passado a partir da luta dos trabalhadores da USP a qual se nacionalizou um questionamento ao atual modelo de Universidade existente hoje no país, na luta contra a repressão, pela readmissão de Brandão [6] e a defesa do Sintusp ao passo que ligava a bandeiras de democratização da Universidade para os setores mais pobres e para o restante dos trabalhadores. O Movimento Estudantil se juntou e teve como um dos eixos centrais a questão da UNIVESP, o projeto estadual do Governo Serra que visa implementar o EAD na USP e nas estaduais paulistas. E muitas vezes se levantava a palavra de ordem contra a UNIVESP e contra o Ensino a distancia.

É fundamentalmente necessário que nos coloquemos contra a esse projeto estratégico dos governos estaduais e federais, que aliado com os setores burgueses da economia brasileira, atacam a educação e não se preocupam nem um pouco na ingerência da autonomia universitária e na produção de conhecimento voltada aos setores mais oprimidos e explorados da sociedade. Como foi colocado atéaqui existe um plano internacional para o sucateamento das Universidades nos países periféricos e a privatização de um direito que deveria ser de todos, até mesmo nos princípios da constituição e da democracia representativa burguesa. O plano Bolonha na Europa, o REUNI de Lula, a Universidade Nova de Naomar são as expressões estratégicas que a burguesia quer traçar para aliar formação profissional com aumento de produtividade e da extração de mais valia. E projetos como a UNIVESP e o EAD dirigidos por eles estarão a serviço dessa lógica.

Entretanto professores e estudantes que cotidianamente debatem esse tema também devem ter uma percepção estratégica do projeto de Universidade no Brasil. E um dos pontos chave é ligar o combate a essa medida através do dialogo e aliança com os trabalhadores e a população pobre que estão a mercê desses planos do Governo e da burguesia. Lula e Serra não aplicam o EAD dizendo que vão deteriorar a educação ou que vão criar cursos sucateados, demitir professores e etc. Claro que na prática fazem isso! Só que nos jornais e orgãos da imprensa burguesa se dirigem a população dialogando com seu anseio democrático de poder entrar na universidade e fazer um curso superior.

Por isso apenas se colocar contra o projeto de EAD nas universidades não basta para resolvermos a questão estrutural que atinge hoje o ensino superior. Se formos nessa maré acabaremos caindo numa luta coorporativista e que não resolverá a entrada da juventude trabalhadora e pobre na academia. O questionamento do EAD precisa estar ligado a extinção do vestibular que atua como uma peneira social no acesso a universidade, e principalmente a estatização das Universidades particulares e dos grandes monopólios que se formaram, aproveitando sua estrutura física para criar vagas para todos. Nesse sentido mostrando para a população que contestar o EAD não significa uma questão elitista de um movimento estudantil ou de professores que já estão dentro da Universidade, mas sim que é uma medida que não resolve a questão do acesso das camadas mais amplas da população brasileira que não podem cursar uma faculdade atualmente.

Por trás da polêmica medida existe uma disputa estratégica de modelo de Universidade que desde já temos que entrar profundamente. Não só do ponto de vista teórico, mas também ideológico e político. Porque se continuarmos a depender do controle das burocracias acadêmicas, dos governos e da burguesia, ainda continuaremos com a mesma pergunta dos jovens alemães...”E o que nós ganhamos?”

Este artigo integra a edição nº 35 da Revista PUCViva, órgão da Associação de Professores da PUC-SP (APROPUC).

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